segunda-feira, 24 de agosto de 2015

House e eu... médicos e professores, pacientes e alunos...

Há sete meses me propus a ver a série House M.D. do começo ao fim, diferentemente da forma que via pela televisão: fora de ordem, um episódio aqui, outro lá... Minha primeira série assistida assiduamente. Oito temporadas com uns vinte e poucos episódios cada!  


Primeiramente: foi demais! Foram muitas madrugadas de aprendizagem e autoconhecimento... conhecer o House e compreendê-lo para além do que ele externaliza é um exercício de interpretação e contextualização constante que fiz, sem perceber, sobre mim mesmo... e, como é natural de um espectador, me identifiquei com muita coisa do personagem - isso não engloba suas sacadas geniais, infelizmente. Mas focarei, aqui, naquilo o que envolve nossas profissões.

Começo pela função Médico do personagem principal da trama, o Gregory House, que em muito se assemelha com a função Professor do personagem principal da minha própria trama, o... Eu. As semelhanças entre as práticas são, em alguns momentos, louváveis e, noutros momentos, lamentáveis. A série permite conhecer um pouco melhor o trabalho de um Médico, profissão pela qual nunca me interessei e que evito ter contato, isto é, adoecer.




A importância da interdisciplinaridade... ver problemas sendo resolvidos através da interação entre profissionais de diferentes áreas é tão inspirador e tão pouco visto no ambiente escolar... Em todos os episódios há posicionamentos diferentes, argumentação e contra-argumentação objetivas e embasadas, em um brainstorming provocado por um líder que, ao seu jeito, filtra e tece conexões entre as falas. Isso está longe de uma conversa na sala dos professores sobre um aluno com problema de aprendizagem ou na elaboração de uma atividade, por exemplo, mas me parece algo tão escolar!

E se associo médicos a professores é porque, consequentemente, associo pacientes a educandos... impossível estimar a redução de danos no desenvolvimento ou cura, cada qual com seu processo, dos alunos ou enfermos caso recebessem uma "atenção básica" de qualidade... outro ponto é a humanização na relação médico-paciente, importante para a melhora e bem-estar do usuário do serviço de saúde, tão discutida e motivada no meio, e algo que, por incrível que pareça, precisaria ser mais desenvolvido na Educação, na relação professor-aluno... do lado de cá vejo pouca humanização e muita criaturização (externalizada de forma bem-humorada, quase disfarçada, pelos professores que chamam os alunos de "criatura").

Alguns diagnósticos só são eficientemente feitos pelo House quando ele entra em contato com o paciente. Entende-se por contato, a escuta, empatia, olhar, afeto, ... ainda que "everybody lies", incluindo os alunos nessa citação dele. O contato envolve ainda o conhecimento do contexto social dos pacientes/alunos, feitos pela equipe de diagnóstico diferencial in loco, invadindo a casa das pessoas, o que não se faz necessário para os professores de escolas periféricas, por exemplo. Analisar a influência dos pais ou responsáveis, seja pela herança genética ou influência sobre o comportamento dos filhos, é também prática comum entre as profissões. Há uma frase muito dita por professores que retrata isso: "ao conhecer os pais em uma entrega de boletins, entendemos porque os filhos são assim...". Com isso valorizo a visão holística, ampla, sobre nossos objetos de trabalho...

E associando as principais instituições da Saúde e Educação, o hospital onde se passa a maior parte da série é mais acolhedor que até mesmo as escolas privadas daqui. Um ambiente para onde não desejamos ir oferece mais conforto, atenção e cuidados do que o ambiente para onde as crianças deveriam ter vontade de ir. As escolas repelem seu público. Chegou atrasado, não entra. Conversou, vai para fora da sala de aula. Bagunçou, vai para o SOE. Vandalizou, é suspenso. Brigou, é expul.... convidado a se retirar/realocado.

Assistir a uma série com esse contexto espacial me despertou uma série de reflexões sobre o contexto escolar em que estou inserido - seus ambientes, profissionais, usuários, relações, fluxos, etc. Mas assistir House foi muito mais que isso. Foi sobretudo um estudo sobre comportamento. No fim das contas, a série não é nada médica, como a princípio achava. É sobre Psicologia, amizade, amor, trabalho, etc, etc... expus aqui só uma das vertentes capazes de serem conhecidas, interpretadas e capazes de serem associadas com nossa realidade.


quarta-feira, 29 de abril de 2015

A Dialética do Centrão

Eu, que estava quase me acostumando a morar longe de tudo depois de 15 anos vivendo no alto da Protásio Alves, em Porto Alegre, agora estou me adaptando às características espaciais do centro da cidade. A urbanização intensa parece inverter a lógica natural das coisas. Parece óbvio, mas tem impressões que só quem vive aqui consegue perceber.

O centrão é super verticalizado, e parece ainda mais alto quando visto da minha janela, no térreo do prédio. Os edifícios parecem convergir lá no alto, numa tentativa de impedir os raios ultraviolentos do Sol de atingirem o solo. O pedaço de céu que vejo nem é suficiente para eu tirar conclusões acerca das condições meteorológicas. Algumas vezes saí todo de preto em dias super ensolarados. Noutras saí de manga curta e voltei resfriado.

O apê é interessante. De dia tenho que acender as luzes, pois a iluminação natural que chega aqui (refletida pelo edifício ao lado) é escassa. De noite é tranquilo. Posso andar com as luzes apagadas, pois recebo a iluminação artificial da vizinhança.

Seguindo a lógica inversa do que a natureza sugere, aqui é bem silencioso durante o dia. A vizinhança está trabalhando fora... de noite estão todos de volta, aí kabô-silêncio. 

A circulação eólica tinha tudo para ser interrompida pelas torres, no entanto o vento aqui afunila (nunca tinha escrito isso) e invade os quartos rapidamente, fruto da diferença de pressão atmosférica em relação ao Lago Guaíba. Para complementar a falta de lógica: o Guaíba é conhecido aqui na vizinhança por Rio. 

Mas no meio desse monte de contrastes com os quais tenho convivido, o que mais me satisfaz é a possibilidade de sair do centrão densamente urbanizado e chegar, após uma quadra de caminhada, nesse pôr do Sol... Ahh... =)

Instagram: @artureka

segunda-feira, 13 de abril de 2015

Galeano, Freire, Cortella, Turucutá....

Me peguei pensando enquanto desfruto de um tempo só para mim, graças a uma aula cancelada, que o vídeo divulgado hoje na página da Turucutá no Facebook, exposto aqui, apesar de ser um registro de alegria, tem tudo a ver com a morte do Galeano

O vídeo mostra um monte de gente pequena, em um lugar pequeno, fazendo coisas pequenas, podendo assim mudar o mundo. Afirmo que um trabalho como o da Oficina de Percussão da Turucutá tem poder de transformação, pois é um trabalho de Educação Musical, e a Educação, embora não seja capaz de mudar o mundo, ela muda pessoas. Essas sim, né Paulinho Freire... essas mudam o mundo.

Ali tem professores que seguem caminhantes devido às suas utopias, de musicalizar as pessoas, de fazer músicas nos espaços públicos, de tornar o mundo mais alegre, dançante, brincante... Essas realizações seguem se afastando conforme nos aproximamos delas, mas assim nos mantemos em movimento. E assim percebemos importantes transformações culturais na fria e conservadora Porto Alegre!

Enfim... aprendi muito sobre a morte com o Cortella, filósofo e educador brasileiro, que sempre questiona o que deixaremos quando partirmos. Então o Dudu Galeano seguirá vivo. É só uma questão de ponto de vista sobre a morte. Quem me dera seguir vivo depois de morrer, também!



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Citações nas entre-linhas:
"Muita gente pequena, em lugares pequenos, fazendo coisas pequenas, podem mudar o mundo."
Eduardo Galeano


"A utopia está lá no horizonte. Me aproximo dois passos, ela se afasta dois passos. Caminho dez passos e o horizonte corre dez passos. Por mais que eu caminhe, jamais alcançarei. Para que serve a utopia? Serve para isso: para que eu não deixe de caminhar."
Eduardo Galeano


"Educação não transforma o mundo. Educação muda pessoas. Pessoas transformam o mundo"
Paulo Freire

"Eu não estou preocupado com a morte, mas com a vida, para que ela não seja banal e fútil. Quando você se for, o que vai deixar?"
Mário Sérgio Cortella

sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

Morando sozinho, vivendo de potinho...

Hoje, há um mês morando sozinho, aconteceu algo que preciso compartilhar com vocês três, queridos leitores. Uma situação que reflete exatamente o que é morar sozinho. É o retrato da mudança de papel que exercemos em relação a casa: a saída do papel Filho que “ajuda” a mãe em casa, como se isso fosse generosidade, para a entrada do papel Dono de Casa, que tem a sua sobrevivência em suas mãos (e não mães).

O causo se sucedeu-se no horário do almoço, enquanto eu garimpava algo para comer. Porque preparar uma comida é uma ação cheia de implicidades, como a de que houve previamente a compra e armazenamento correto de ingredientes, lembrança de uma receita e aplicação de conhecimentos gastronômicos prévios. 

No caso de alguém que recém se tornou um morador-sozinho, está implícito que o vivente foi na casa de alguém, comeu um boca-livre e levou um potinho (sempre no diminutivo) com uma “sobra de comida” (que eu chamo de “vida”) para casa.

Explorando, então, os potinhos da geladeira e freezer, encontrei um saudoso pote de sorvete. Lindão! Branco com tampa vermelha. Com aquela cara de que estava escondendo um feijão (hummmm) que acompanharia um arroz (que faço muito bem) e possíveis acompanhamentos (ovo frito/batata palha). Porque na casa da mãe é assim: o filho chega sedento por um sorvete no freezer e, quando abre o pote, lá está um decepcionante feijão.

Mas na nossa própria casa é diferente. O raciocínio é inverso. Então abri o pote de sorvete e me deparei com, pasmem, sorvete. Sorvete de flocos, com sabor de frustração. Segui no garimpo, estilo Survivorman, em busca da sobrevivência, em meio ao nevoeiro daquele ambiente inóspito que é o freezer...