sexta-feira, 27 de junho de 2014

Volta por Cima!!! Sambaterapia #2

Dedicado a Márcia Viegas, educadora que sabe bem o quanto é gratificante nossa profissão!

Eis que uma amiga me chamou para uma aula de musicalização em um CAPSAD - Centro de Atenção Psicossocial  Álcool e outras Drogas. Eu, ainda não acostumado com tantos momentos gratificantes que vivo na vida de Professor de Geografia, Inglês e Música, topei o voluntariado, certo de que seria uma bela experiência...

Lá conheci um pessoal fantástico: alguns homens e uma mulher batalhadores, lutando contra a dependência química. Obs.: essa divisão em gênero foi intencional, para chamar a atenção à saúde do homem. Conheci também alguns profissionais da saúde que lá trabalham, que foram tão acolhedores comigo quanto são com aqueles guerreiros! Lá vivi uma experiência que entra para o Top Five das experiências mais marcantes pelas quais já passei.

Cercados de instrumentos de percussão produzidos por eles mesmos a partir de materiais reutilizados e reciclados, dialogávamos sobre a música em paralelo com a vida... Sobre características e critérios necessários para que seja diferente do barulho e, logo, agradável aos ouvidos. Sobre a Arte! Sobre como tudo isso é uma linguagem e uma representação da vida, com suas etapas, movimentos, silêncios, etc.

Assim foi... conversa tão agradável, que já estávamos na reta final da aula e não havíamos ainda produzido música! Tocar e cantar era para ser o mais esperado, pensava eu! Mas falar de nós mesmos, dos nossos sentimentos, das nossas amizades e dos amores através da música preencheu 90% do tempo. O psicólogo comentou, após esse trabalho, que nunca tinha visto eles falarem tanto de suas vidas como falaram naquela aula. Faltando dez minutos iniciamos a primeira música... 

"Vamos lá! Quem puxa uma?", enquanto todos pegavam seus instrumentos e surgia uma batucada na cadência bonita do samba, um senhor de voz baixa, bem grave, começa a cantar a música Volta por Cima, composta por Paulo Vanzolini:

Chorei... não procurei esconder...
Todos viram, fingiram... pena de mim não precisava!
Ali onde eu chorei, qualquer um chorava...
Dar a volta por cima que eu dei, quero ver quem dava.

Um homem de moral não fica no chão.
Nem quer que mulher lhe venha dar a mão.
Reconhece a queda e não desanima.
Levanta, sacode a poeira, e dá a volta por cima.


Chegando no fim da letra, cantamos os versos "Reconhece a queda e não desanima" e então fiz sinal para que todos parassem de tocar e apenas cantassem em coro: 
"Levanta, sacode a poeira, e dá a volta por cima..."

Foi emocionante... Foi de arrepiar!
Essa música narra o atual período de vida daqueles senhores. Eles eram autoridades no assunto, por isso cantaram com os corações, e não há voz mais bonita e afinada que essa. O espaço do CAPSAD era o palco daquele show, um cenário com objetos e figurinos devidamente contextualizados com a música... os instrumentos foram feitos por eles, e não há quem os toque melhor do que as próprias mãos que os construíram. 

Beth Carvalho, Jorge Aragão, Zeca Pagodinho e até mesmo o falecido Noite Ilustrada que me desculpem, mas foi a versão mais bonita que já ouvi dessa música. Nas vozes desses sambistas eu ainda não havia significado ela. Dentre tantos sentimentos bons naquele momento, lembrava das minhas leves reabilitações e lembrava do meu pai que venceu (vence a cada dia) uma batalha dessas. Dei sentido, signifiquei.

O que veio antes e depois disso foi tão lindo quanto, mas destaco só esse momento para poupar-te, leitor(a)!